sexta-feira, 11 de março de 2011

Para os brutos que praticam artes marciais
E as praticam fora do código e das regras
É mais doloroso deitar um homem abaixo com o poder das palavras
Do que ao poder de ríspidas patadas
E agora deixo de ter pseudónimos e de ser Rui Sousa
E Alonso Quixano
Agora soy Don Quijote de la Mancha
El Cabalero de la Triste Figura
Respeitador e defensor de donzelas
Escudo protector das putas casadas
E aguçada capadora espada sobre os zelosos ciumentos maridos
Com más intenções passionais
E amparo dos bêbados que vão a tropeçar



Miguel de
CERVANTES

El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha



Capítulo II

Que trata da primeira saída que da
Sua terra fez o engenhoso
D.Quixote

«Indo pois caminhando o nosso flamante cavaleiro, conversava consigo mesmo e dizia:
-Quem dúvida de que lá para o futuro, quando sair à luz a verdadeira história dos meus famosos feitos, o sábio que os escrever há-de pôr, quando chegar à narração desta minha primeira aventura tão de madrugada, as seguintes frases:
«Apenas tinha o rubicundo Apolo estendido pela face da ampla e espaçosa terra as doiradas melanias dos seus formosos cabelos, e apenas os pequenos e pintados passarinhos, com as as suas farpadas línguas , tinham saudado com doce e melíflua harmonia, a vinda da rosada aurora, que, deixando a cama do zeloso marido, pelas portas e varandas do horizonte manchego aos mortais se mostrava, quando o famoso cavaleiro D.Quixote de la Mancha, deixando as ociosas penas, se montou no seu famoso cavalo Rocinante , e começou a caminhar pelo antigo e comhecido campo de Montiel (e era verdade, que por esse mesmo campo é que ele ia) ; e continuou dizendo: » Ditosa idade e século ditoso, aquele em que hão-de sair à luz as minhas famigeradas façanhas dignas de gravar-se em bronze, esculpir-se em mármore, e pintar-se em páineis para lembrança de todas as idades!» ó tu, sábio encantador (quem quer que sejas) a quem há-de tocar ser o cronista desta história, peço-te que te não esqueças do meu bom Rocinante, meu eterno companheiro em todos os caminhos e carreiras. E logo, passava a dizer, como se verdadeiramente fora enamorado: -Ò princesa Dulcineia, senhora deste cativo coração, muito agravo me fizeste em despedir-me, e vedar-me com tão cruel rigor que aparecesse na vossa presença. Apraza-vos, senhora, lembrar-vos deste coração tão rendidamente vosso, que tantas mágoas padece por amor de vós. E com isto ia tecendo outros disparates, todos pelo teor dos que dos que havia aprendido nos seus livros, imitando, conforme podia, o próprio falar deles; e com isto caminhava tão vagaroso, e o sol caía tão rijo que de todo lhe derretera os miolos, se alguns tivera.

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