terça-feira, 31 de março de 2009

PROJECTO DE DOUTORA

Decerto que a fugitiva aurora
Na tua futura sapiência se demora.
Como os conselhos que outrora
Desfiaste e os usas agora.

Decerto que quando menos for preciso
Senhora dona doutora
Com um escondido desejo lascivo
Para um pobre bruto serás deusa e sedutora.

A deusa da medicina serás
Por controlares um louco
Da poesia que vale tão pouco.
O teu doutor encantarás,
E o ciúme controlarás
Para não seres aquilo
Que aprendeste atrás.
27-3-2009
Rui Sousa

sexta-feira, 27 de março de 2009

"Antiga musa"

Musa que me arrebatava
Inspirados versos de amor…
Musa que me amava no horror
Tétrico, onde sem sono me deitava…

Fica a saber em linguagem torpe e rasteira
Que pareces uma «cota».
A tua vaidade, pose e maneira
De deusa transpira e desbota.

Fica a saber que morreste
Quando te casaste.


16-1-2007

"Um conto poético"

O mundo é uma máquina de poesia.

Mas…
Ó doce musa, a tua face vermelha
Inspira-me de amor, inspira a graça,
Mas o meu rosto transpira desgraça
Por este amor atroz que me embaralha.
Adormeço…
Forasteiro num lugar
Impiedoso e imundo,
Não consigo encontrar
Conforto neste mundo.
Acordo:
Apático no mundo,
Quis compreendê-lo neste dia
Onde tudo era mais frio e esquivo.
Com nada nem ninguém me confundo.
Julguei ser este o dia da negra alegria,
Sentir-me morto estando vivo.
Sentir?...sinto algo….um sentimento tão profundo
Que estaria disposto a tudo
Para concretizá-lo neste bestial instante.
Ah!...fosses submissa e só minha
Já, serias antiga e bela…eu seria mudo,
Falhando naquele momento circunstante.
Passei a manhã incomodado e pensativo
Sem reparar em ninguém,
Apesar de me observar alguém…
Alguém morto e vivo…não vivo.
Alguém incomodado e pensativo,
Temido e escondido apaixonado…mas quem?...
Meio-dia, o sol entre nuvens espessas batalhava,
Procurava esconder-me iluminando.
Um vento forte me guiava,


Por caminhos onde ninguém passava,
O mórbido canto da chuva açoitando
O vento mais forte contrariava,
E cada vez que eu parava
Parecia que congelava.
Podia fugir mas não podia.
Fui com o vento que me seguia
Por pinhais abandonados,
Num triângulo inexplicavelmente conjugados.
Optei pelo do meio de caminho
Lamacento e cansativo, tortuoso.
Passo quilómetros sem sentir…
( muitos outros adivinho ),
Quando ouço um gemido forte e vitorioso,
Pairando neste ambiente de onde não pode partir.
Fugir ou ficar? Estou cansado e sozinho,
Fraco para avançar, fraco para voltar
E ainda mais fraco por esperar…
Olhei para trás e vi o que me tinha cansado:
Imagens distantes aproximavam-se rapidamente.
Loucos formando a sua sociedade.
Um quadro de pessoas vencidas por um louco desfigurado,
Inspira um tímido pintor que se mata de repente.
Imagens de casais abençoados pelo dinheiro,
Tretas de ricos que são a verdade dos pobres.
Todos os que tinham um meio
Se extremaram neste filme de solidão
E choraram ao ver o cinema cheio.



Sou mais indiferente do que me fazem.
Vejo as pinturas do meu pensamento
A sobressaírem na escuridão.


Peço às clarezas do mundo que atrasem
O clarão, inventando tal lamento
Que clarifique um timbre no alçapão,
Por onde caio desenganado…
Tive dores durante tantos dias, que nunca menti.
Passei fome e tormentos lentos…penso que morri…
Acordei numa montanha?
E já irrompe uma voz estranha:


Viver nas trevas…a fatal promessa.
Convivo só…com o meu coração…
Um relógio cimentado no chão
Para que os mortos caminhem depressa.


Na montanha, o castelo desprezado,
Escondendo um tesouro magistral,
Ruiu por ecos frios de um casal
Que de outro casal se havia apartado.


Agora já encontraste a tua estadia,
Um lugar onde não te chamam estranho,
Onde a escuridão é a luz do dia,
Esquecendo o teu tamanho.


8-10-1998

"Intruso"

Olho para o espelho
E quem sou eu?
Um sábio velho,
Um novo Morfeu.
A vida é esperar,
A lentidão do por do sol,
O consumo de álcool
Faz apressar
A noite, que alcança um espírito fatigado,
Um coração que não se satisfaz,
Um corpo que não tem paz,
Que se faz sentir no outro lado.
A mentalidade intolerável
Desse ser que aparece,
Esse humano que cresce
E se mostra no espaço mecanizável.



Não sei se és tu ou sou eu
Que transcende qualquer festa,
Não sei se és tu ou sou eu
Que se prende a qualquer treta,
Mas sei que ambos nos encontraremos na floresta.


1998

"O cemitério novo da Pampilhosa"

O cemitério novo é o espelho…
É o espelho dos cemitérios místicos.
Por isso talvez me pareça o mais velho.
No lado interno,
Tem túmulos com retoques artísticos.
Jazigos por cima dos túmulos,
Que intentam chegar mais rápido ao céu…
Por baixo tem túmulos mais simples, mas com lapidações
De sentimentos ternos.


Espalhados por todo este império,
Vêm-se campas sem flores, sem mármore, sem nome,
Sem um olhar fraterno.
Só com um número, como um prisioneiro,
Que se liberta com o fim da vida,
Apesar de parecer que irá parar ao inferno.



Visto do lado externo,
Se subires a subida cansativa
Sem olhar para os lados,
Sem pensar na vida,
Vendo velhos pinheiros
Que parecem a sombra do cemitério,
Conhecerás outro mundo, entrarás no céu…


4-11-1998

"Musa terceira"

Rapariga nova, tesouro esquecido
Entrementes do bem e do mal,
Mentes diferentes objecto aparecido
Quando os seus pais eram o casal.


Moça magnética repele um sentido,
Na sua graça o impacto recai.
Aqui, um desejo escondido
Ali, violência do pai.


Mudanças todos os dias
Impossibilitadas de mudar,
Lembranças casuais de noites vazias
Onde tudo tendia a ficar.


Que raiva sente
De a outros sentimentos não poder escapar.
O outro sexo, até aqui indiferente,
Jamais a poderia largar.


O pai psicopata, a mãe na disputa,
Em nada a conseguiam ajudar.
E este homem, numa estranha luta,
A sua personalidade na filha resolveu vincar.


Ele alcançou-me nos olhos, estremeceu uma vista,
Despiu a roupa, apertou-me nos braços,
Fodeu-me na boca, arrancou-me os pedaços,
E ali ficou, numa pose machista.


Levaram-na ao psiquiatra
Para lá seguir uma carreira.
Prometeram ouro, mas ela escolheu luz de prata…
Ingrata uma vez, rebelde a vida inteira.


1995

"Rui Alexandre de Almeida e Sousa"

Afinal o meu amor acabou.
Nunca mais irei a festas.
Festejarei nos ermos das florestas
A transcendência que me derrotou.


Criarei um novo folclore,
Um folclore novo sem ajudantes,
Sem a ajuda de pedantes
Que não conhecem a minha dor.


Quem me dera morrer de repente
Atravessado por uma bala perdida,
Assim com está perdida a minha mente.
Rir do corpo, escandalizar a mente
De pesadelos, de inconformação.
No final uma luz, a salvação,
Mas tudo vago…foge num repente.


O dia é gélido…a noite patente
Compartilha da minha solidão,
Até acordar velho na escuridão,
E começar já tudo novamente.


Busco amor, um afecto caloroso
Neste meu destino, em vis gerações.
E constituir bens, um nome honroso.


Musa…soberana das tentações,
Eu corro, mas seguirei vitorioso,
Com sede de glórias…ou decepções.


1996

"Bocejos de bodegueiro"

Pensei estar no refúgio perfeito.
Ninguém me podia ver,
Mas todos pareciam saber
Que batia nada no meu peito.


Pensei estar no refúgio estreito
Que me deste a entender,
Percebi que nada havia a perceber.
Agora não me tenho direito.


Partiste…incrédula naquele rafeiro,
Procurando sempre a zona mais escurecida.
Encontrado entre bocejos de bodegueiro.
Bagatela eis a poesia prometida:
A suavidade da musa a tempo inteiro
Numa sórdida terra desguarnecida

1995

"Caminhando leproso"

Infeliz, mísero, caminhando leproso,
O coração escorrega sem par,
Fugindo da mente faz funcionar,
Preciso, este invento sentencioso.


Alcançado por um idoso,
Cauteloso por me acompanhar
No olhar melancólico pretendeu acabar,
Um sentimento orgulhoso.


O aberrante tem na sociedade
Denominada um frágil inimigo,
O colectivo, na solidão obscuridade.
Se a vida não fosse um amigo,
A repentina certeza da mortalidade
Seria o repensado abrigo.

1995

"Não sei para onde vou"

Não sei para onde, nem como vou,
Quando eu te quero ver,
Mesmo sabendo não precisar ser
O tal que nunca sou.


Não me interessa onde estou
Quando me quero perder.
Mas se acaso caminhar é vencer,
O teu caminho acabou.


Para quem muda de paixão
Como quem galopa, ou por luxúria troca
Um indiferente burro, por um consciente cão,
Uma triste informação: não me toca
Que venerem o teu corpo…na imensidão
És vaga necessidade, outro tipo de toca.


1995

"Para este mundo adormeci"

Para este mundo adormeci…
Recebi uma injecção de valentia.
Acordei, mas não tenho alegria,
Miserável, não te tenho a ti.


Eu não faço nada aqui.
O frenesim que me causa o dia
É a sinceridade da única fantasia
Que eu tenho para ti.


Vomitando qualquer novo sistema,
Somente da ninfa não abdico,
Por não ter berma nem lema.
É com escassez que te glorifico.
Que mágoa, que estupidez de dilema.
Com lucidez te mortifico.


1995

"Musa segunda"

Os sinos funerários afinam.
A tempestade fica, teimosa.
Nasceu uma musa na Pampilhosa?
Que a escrever excita,
Desgraçando incita.
E quando, em jogos, a fala meneia,
Faz de qualquer poeta um rouco,
Evitando a linguagem feia,
Deixando tudo na opinião de um louco.


Quando corpo feminil
De formatos exóticos
Procura corpo viril
De abafados trópicos,
Com ternos olhares
Que ferem…e ela disfarça
Instinto carnal, fazendo graça.
Tens amores, ou ardores.


Doravante meu ardor
Parecerá uma ligeira fraqueza.
Ela nunca perde o controle.
Eu, sentindo amor,
Procuro a tristeza.
Sou aquilo que a terra engole.


1995

"A ninfa escondida"

Oh, ninfa escondida, adoro-te assim.
O rio disse-me, a lua cheia espelhada
Marca o lugar onde és imaculada,
Nascente de pureza por que vim.


Foragido do sol, vindo do fim,
Onde a razão é serva desgraçada.
O corpo ferido, a alma separada,
Rendo-me a ti…liberta-me de mim…


1996

"Fria escuridão"

O lendário homem das cavernas
Ainda hoje no mundo está situado,
Mas não em grupo, jazendo isolado,
Propenso a vícios, coisas modernas.


Oh perverso criador da minha mente,
Estroinado camponês do alto mar,
Escutai-me que eu quero ripostar
Para poder destruir-me novamente.


Oh musa, se a frenética inconstância
Pudesse um dia ser válida no amor,
Daria já gritos de insignificância,
Só por poder variar a minha dor.


Por teu olhar triste, sei que um dia me amaste.
No profundo do sonho emerge o fado.
Tu estás nesta Parca concentrado,
Em tudo aquilo que um dia abominaste.


Nada comove o duro coração.
Matou-me a beleza « Fria Escuridão ».


1996

"Dias infernais"

Não me atraiçoem
Quando procuro relações normais,
Porque nobres sentimentos não excluem
Dias infernais.


Não me censurem
Por evitar a paz da mente,
Quando todos a procurem
Ao saberem que estou doente.


Não consigo dormir
Durante todo o dia,
Esperando a noite surgir
E agarrar a graça luzidia.


Até já posso sentir
A presença do teu rosto belo,
Sincero ao fingir
Seres prisioneira num castelo.


Dias infernais
Foram fabricados.
Homens normais
Aderem engarrafados.

1995

"Fugindo da maioria"

O homem acabou quando chegou
À natureza em busca de minério,
Mas quem se nutre de indescritível beleza
Não necessita de um império.


Porém, a beleza chama a atenção
E a paixão temeu a ambição.
Trabalhando dias e noites,
Recebendo do coração
Que vibrava como mil açoites.


Corri para o bosque mais esquecido
Embalado pela ideia profana
Que perseguia um distraído,
Quando vejo graciosa cigana
Que me olhava aparecido.


O seu olhar da natureza retirara as cores,
O seu corpo, pelo formato, confundia as árvores,
E o seu cheiro abafando odores
Juntamente fizeram um quadro genial.
Até seu restaurado vestido
Despertava qualquer estranho sentido,
Pasmando de beleza natural.


Belíssima morena
Que em dia acizentado
Passava cintilante e serena,
Largando um sorriso
Para o outro lado…



1995

"Moda da Bairrada"

Um, dois, três,
Digere com calma.
Um, quatro, dois, três,
Fala tudo o que vem na alma.


Não consigo achar
Minha mente perturbada.
Onde jaz meu polegar?
Está esquecido na estrada…


Nós vamos acabar
Com todo o vinho da Bairrada.
Bebamos vinho tinto da Bairrada…
Não nos importemos com mais nada.


Este vinho é de um mago,
É produto de um mágico.
Os ventos devastam algo vago…
É um final trágico.


Ventos do norte
Levam meu lamento.
Ventos de morte
Não a removem de seu convento.


Um, dois, três,
Manifesta calma.
Um, dois, três,
Fala tudo o que vem da alma.


De frente para a lareira
Está tudo a dançar.
A ninfa nadando na fogueira
Parece me escapar.


Por favor, mais vinho.
É nacional,
É do Minho.


Minha mente está confusa, atrofiada.
Vamos ao vinho da Bairrada.


1995

"Alazão da noite"

A escuridão protege o meu lado interno.
Os meus olhos ardem no escuro, procurando ver
O que não tem razão de ser…
Meu lado externo.
Na escuridão o humano é desengonçado
Como que convidado
A entrar na boca do inferno.


O cão alucinado fareja aventura.
A voz afogada pela visão da noite fedia…
A gasolina derramada, repelia o ser paciente,
O cheiro a vagina podre pedia mais ambiente
No meu território?
No teu império.


As velhas escadas rangiam de dor,
Auxiliando pessoas contra o meu odor,
Cansando a minha vista.
Mortos e doentes, senhor do pavor.
A minha conquista.


Anjo da morte vem com inexistência
E transporta-me para qualquer existência.


Prédios e estradas chegam ao Pólo Árctico.
Filhos das formigas devastam milénios de sabedoria,
Tentando iludir com previsões de harmonia
A mim, filho do lince ibérico.


Aclamei por refúgio em todas as serras de Portugal,
Em anseio de uma que não me responda mal.
Querem que sejais um demónio em desespero,
Paraíso infernal, eu confesso o que procuro.


Alazão da noite vem com inexistência
E leva-me aos destroços de outra existência.



1995

"Existir"

A cidade está a acordar…
Está na hora de me deitar.


Nós vamos ziguezagueando,
Nós vamos retardando,
Tardamos em aceitar.


Norte, sul, este, oeste.
Onde estiver a peste
Nós esperamos em acreditar.


Caminho sempre bem acompanhado,
Mas o sentimento é solitário.
Vemos o mundo ao contrário…
Tocando uma bela sinfonia,
Olhamos o mundo
Com tão feia ironia.


Nós vamos passeando,
Vivendo do que achamos,
Vagando numa linha irrequieta,
Penetrando de forma indirecta.


Norte, sul, este, oeste.
Vamos para este
Onde há muitos tesouros,
Onde habita a peste.


Nós andamos perdidos
Em busca de abrigo.
Os espíritos estão sempre a chamar…
Sinto falta de um amigo,
Mas nunca me vi sozinho.


A cidade está a acordar…
Está na hora de me deitar.


1995

"Vã esperança do poeta desconhecido"

Vã esperança do poeta desconhecido,
De conceber nova comunicação, velho latim
Nas trevas isolado, na loucura consentido,
Esperando rosto singular, beleza sem fim.


Outrora apenas um rapaz tímido
Por deusas mores, adorado assim
Com o sôfrego sentimento inibido,
Por vezes com o Diabo em mim.


De que lindos gestos tive eu certeza
De estar lutando contra a própria mente.
Quando gostos e palavras devolvem fraqueza
A quem procura solidão, não suportando gente.
Fingindo alegria, fingindo tristeza,
Contigo sonharei…no mundo demente.


1995

"Mancebo"

Jesus escolheu um mancebo
Que, sonhando, pasmava no oposto.
A ti me dirijo, a quem não percebo,
E com uma sacra mão lhe sangra o rosto.
Idem te dirijo meu lendário sebo,
Por seres meu devoto, vivendo sem gosto.
Não entres em jogos, segue o teu coração.
Vive, mancebo, esquece a ilusão.


1995

"Segredo"

O mau tempo nem sempre engana,
Escondido no velho carvalho.
O bom tempo jamais se emana,
Fugindo em pleno orvalho.


O tempo também tem marcas,
São marcas que o templo chora.
A natureza inverte as lágrimas
Por alguém que foi embora.


Com o tempo perdi a voz
No templo onde muito se fala
Que rebelde natureza da foz
Se dará a quem se cala.


O tempo nunca se expressa
No momento que já se fora numa flora.
O mau tempo jamais apressa
Esse mundo, que por vezes cora.


Com quem…ele segrega?
Escondendo o seu segredo,
Rara deusa grega
Que alimenta o nosso medo.

Nos subúrbios sempre em festa
A calma que se envolve,
Deserto e floresta
Há sempre quem devolve.


O tempo também diz não
A quem alimenta a demora.
O sábio ancião
Bem sei que ele namora.


1995

"Ridículo"

O futuro é a ironia…
Do cérebro a colidir com o coração.
Invejar o ciúme de quem possui a tentação…
De imortalizar uma mortal sinfonia.


Querida…a tua saia respira,
O teu corpo aspira
A resolver o enigma da sociedade,
Com a tua bela humanidade.
Pretendo esconder-me onde me avizinho…
Perdi o poema pelo caminho…


Subo aos pés de quem os não move no chão,
Dou-te um relógio capaz de prender o teu pulso voluptuoso.
Dou-te riquezas de uma antiga civilização.
Querida, eu amo teu coração precioso

1999

"Esperando"

As montanhas do progresso
Começaram a desabar.
Então louvaram existir um caminho inverso,
Roubaram o meu lugar.


Sem mais poder passear a minha solidão
Por lugares outrora ditos medonhos,
Era no breu da escuridão
Que recordava factos abastecendo sonhos.


Passadas duas invernais primaveras,
Sentiste-me entregue ao abandono.
Diz-me então fiel Primavera, porque esperas
Para acabar com o meu Outono?


Esperando impor
Teus cabelos acastanhados
E os teus olhos amêndoados,
Pecarei na cor
De meus dias enevoados.


Quando na neblina estiver caminhando,
Na escuridão me procurando perder,
Estarei encontrando a claridade do teu viver
Que me faz continuar esperando,
Pedindo às altas neblinas que te governem,
Aos teus amantes que hibernem.


1995
Emoções fortes não se controlam.
O pensamento é insuficiente
Para combater a força do ambiente
De um lar onde as pessoas se isolam.


Aqui onde os fados se desenrolam,
O coveiro é personagem nascente,
O espectro da morte é sombra crescente…
No abismo néscio as parcas me enrolam.


No limiar da irracionalidade
Aconchegante, fantasio um caminho
Marcado pelo selo da saudade,


Por zoilos que têm medo do carinho,
Sem forças protesto a tua variedade,
Tentado a morrer…viverei sozinho.


1996

"Corpos mutantes tatuados no cérebro"

A mulher felina e o homem cão.
Sinto a vergonha em tal condescendência.
Sentem a dor que causa a transcendência?
De aturar o ego vil de um charlatão?


Já vomito meu pequeno chão…
Cimento e pessoas…que decadência.
Uau…pessoas…tivera eu decência.
Vomitar na mutante multidão.


Oh…não quero cair nestes abrigos,
Não faço parte desta estranha orgia.
Olhos de mamilos…amar jazigos…


Não quero saber da noite ou do dia.
Quero jantar com os meus amigos
Como se fossemos « a família ».


24-9-1997

"Passeando a minha solidão"

A Pampilhosa-triste pormenor,
Tem vinhas tratadas como minério
Raro, talvez por não haver critério.
E num monte agreste que apressa a dor,


Rodeado por contrastes ( triste cor ),
Vê-se em cima magistral cemitério.
Quiçá único e verdadeiro império
Morte…és certa…igual para quem se for.


Mas…beleza estranha de antigas fontes
Onde a água calma soa harmoniosa
Repele-me o vento vindo dos montes:


- Tu, vindo de uma terra desdenhosa,
Afrontado estás…mas não nos afrontes.
O vento comanda…olha…a Pampilhosa…



Sem sentido?


21-5-1997

"Noite desperta"

Ela disse que eu era muito estranho,
Triste e sinistro, e com a voz encantadora
Largou-me na noite ameaçadora
Que vai alargando o funesto tamanho.


Como furtiva figura infractora
Caminho centrado no povoado
Que me divisa em sonhos debruçado,
Amando a paisagem desoladora.


Um cão espumando da boca aberta
Descreve a minha presença agoirada.
A tristeza que se sente ameaçada,
Como uma serpente sempre desperta.


Um vulto lento caminha abrindo
A neblina dizendo-me bom dia.
Voz doce e fadista humedece e arrepia
A madrugada que me vai sentindo.


Apressando a manhã de sonhos, liberta,
Prendendo no silêncio foragido
Um vitimado vampiro escondido
Que espera a noite da vila deserta.



1997

"Veneno"

Enveneno-me de dia
Para sobreviver à noite.
Enveneno-me de noite
Para não temer o dia.


Entristeço de dia
Por te não sentir na noite.
Envelheço de noite
Para dormir de dia.


1995
O palco da vida mais clandestino
Actores hipócritas não semeia,
O líder escurecido nomeia
Poder que invade o teatro caprino.


Uma mão morta estremece o violino…
Seres secos afogam a sereia.
A morte arranca aplausos à plateia,
Pasmada com o natural destino.


O voraz leão colado à tribuna
Espuma, devorando o palco, acena,
Reclamando a decadência humana.


Pequenos ratos englobam a cena,
O ditador louco extasia e profana,
E a vida torna-se bela e serena.


1996

"Mira"

Mira que não mira, não mires em mim.
Falhaste medidas de maneira escandalosa.
Os belos números da pequena criminosa
Não me miram assim.



15-11-1998
Sonhei que numa taberna, acordando,
Vi dois homens sozinhos em dois cantos:
Um velho trágico afogando prantos
E um jovem fútil bebendo e cantando.


Este despertou-me bazofiando
Das mulheres os seus gerais encantos,
A beleza que ajeita sedas mantos,
E o velho acenou vomitando sangue…


E com as suas palavras acordo cuspido.
Um grande filme perdeste agora,
Para assistires ao final estúpido.


1997

"Arranjo"

Meu pequeno anjo,
Assustas o meu sono infernal
Refugiado neste arranjo
Impiedoso sentindo o teu sonho natural,
Arca de um feitiço angelical.


Dentro do ventre materno, adiava
Encontrar vida vazia rodeada de erros.


Natureza mórbida que me empurrava
As mãos daquela que vive de enterros,
Sentindo que o princípio me finalizava,
Creio ter sido um embrião que protestava
Indignado no momento em que a enfermeira me roubava a ferros.
Momentaneamente a cabeça ergui e na pureza vi,
Elevado humano que iludido sorri.
Nasci com calor…não se chegue aqui.
Todavia o sol só brilhou neste dia,
Onde sentiu a libertação da poesia…


20-11-1998
Quando o tóxico cigarro acabar,
Apagar-se-á minha única luz…
Nunca mais vão ver sentimentos crus,
Nunca mais vontade de improvisar.


Imerecidos braços irão dar
Àquela luz que já não me seduz.
Nunca mais carinhos, nem corpos nus.
Desejo na escuridão me situar…


Lentamente, bem sei que irei morrer,
Atrofiando mais o corpo franzino,
Sempre pelo caminho mais difícil.


Nunca digam o que devo fazer!
Somente sei que sigo o meu destino
E que o destino é tudo menos fácil.


1996
Beldade em estado de demência,
Dispersando a tua frágil loucura,
Volvendo a lindo custo a face pura,
És quadro divino, acordas dormência.


Quando olhas para o espelho com violência,
Quando a razão má, rangendo, murmura,
Não pode o pobre mostrar massa escura,
Parte-se o vidro, escravo da aparência.


Partes, vidro, cortas-me o coração,
Olhos de vidro por te conhecer.
Sendo homem, não mereço reflexão,


Nesse espelho onde tu queres viver
Talvez de fora sintas a pressão
Sobre-humana de alguém que te quer ver.


1996

"Maria"

Aquela escrava sexual
Que reinava no meu coração
Vencia.
Conhecia Portugal…
Vivia em qualquer região
Tua…chamava-se Maria.



4-11-1998

"A verdade dos pesadelos"

Horríveis pesadelos…
Quando acordar irei recebê-los,
Quando adormecer irei conhecê-los.
Vozes vulgares, vulgarmente entoadas,
O optimismo não tem lógica.
Vozes num só tom…como todos os meus medos.


A verdade
Só pode ser vista com intensidade.
Deixá-la escapar como um tormento,
Deixá-la escapar com um movimento
Que denuncia humanidade.


18-12-1998

Acto segundo - "A doçura intolerável da clepsidra"

No motim da escuridão mais sofrida
Frenesins breves, olhos de tristeza,
( que são meus ) gestos feios de incerteza
Dão alegria a esta parte escurecida.


O céu nublado apagou qualquer saída,
A lua escondeu-se na natureza.
Tudo horrores, mas ardo por beleza
E voltei a furar a minha ferida.


6-10-1998

Teatro solitário - Acto primeiro - " O relógio do Marquês de Sade"

Acordei cansado
Com imensa vontade
De não ter acordado.
Visto as minhas perfeitas roupas sujas,
Vejo-me ao espelho, contemplo a vaidade
De me sentir incomodado.
Toda a tua mente defensora
Traída pela tua boca agressora.
Aproxima-se a noite risonha,
Procuro um refúgio…Ah! Cá está!...
Um refúgio social?...
Quem é esta gente medonha?
Estão a olhar para cá…
Um teatro social?
Álcool, humanos risos de mulheres, álcool, mulheres?...
Quem me dera estar embriagado.
O meu coração vai explodir, descontrolado…
Onde está aquela, tal tudo o que queres?...
Às vozes intensas, aos actos hipócritas, propunha
Aceitar todas as culpas que me queiram dar,
Mas o corpo sente-se tentado a retirar.
No entanto ficaria a saber se existe a vergonha.
Nesta indecisão escuto…ou sinto
A voz…continuamente soando na minha cabeça…
Um festival de silêncio
Numa sociedade de eremitas
Arrebentou na inacessível floresta
Como um natural incêndio.


Eremita, dos fracos o mais forte,
Sai da cidade deserta de mentes,
Finge que és cárpata, e alimenta a morte.


Eremita, eremita, tu também mentes?
Apagaste o amor na humidade do norte,
Encontraste o meio com sentimentos dormentes.


No teu mundo muita ( má, boa ) gente medita.
Não podes ensinar a PRONÚCIA DO EREMITA:


É um espanto irrisório, o ambiente
De uma sociedade que, dotada de tal valor,
Transforme o intelecto em dor.
Desejar e não sair da hipocrisia crescente.


É espantoso que um simplório de repente
Interrompa a discussão de fraco vigor
Com a voz simples de um estranho doutor,
Tornando a natureza contente?...


1-9-1997
Deixa-me gozar um só dia.
Sai de mim triste poesia:




Canta o galo o clarim da retirada,
Toca o peito escuro no rosto pálido,
Cai, nulidade, no soldado inválido.
Reis, escravos, de fronte loureada
Levantam-se ao serviço da alvorada,
Comandados pelo primeiro raio
Solar, triste, como o crepúsculo que apoio.
Como chuva que não resiste à gargalhada,
Cego pelo dia ao som da chuva adormeço…
Quando a memória mostra o que não quero ver,
O sono só concede o anoitecer,
Cor da musa instável que eu amanheço.
Não suporto este Inferno de sonhar contigo,
Cansaço…nem em sonhos encontras abrigo.
Em sonhos bizarros sofro venal castigo.
Caminhas entre nuvens despreocupada,
Sorridente beijando o meu único amigo.
Antecipo o sofrimento, corro perigo
De sonhar eternamente no eminente jazigo,
Mas, de repente, acordo numa mansão destronada.
Clareio a solidão…acendi um cigarro.
Fixo o olhar vicioso na sua ponta,
E olhando duas cinzas vermelhas,
Fito os raivosos olhos do Diabo,
E o meu rosto baço carrega escrito:
Pacto de sangue, poeta maldito.


1997
Na malfadada Rua das Barreiras,
Onde ocorrem casos apetecidos,
Cresci fui por hipócritas foragidos
Marcado sem ter defesa ou trincheiras.


Amigos de insuportáveis peneiras,
Parentes deixam de ser queridos,
Se lembro sentimentos combalidos
Naquele amor de infinitas fronteiras.


Onde homens se tornam seres marrecos,
Perdido na noite sem geometria,
Passo sozinho por funestos becos.


Teu nome sinónimo é de poesia
( penso, derramando húmidos ecos ),
Pois sou guilhotinado pelo dia.



1996
Arrebatado pela noite leviana,
Anseio gestos meigos, rosto corado.
Vejo o teu digno ser petrificado,
Como a carcaça de uma ratazana.


Procuro a noite sempre soberana:
O insigne vagabundo esfomeado,
Come os restos de um rato envenenado.
Ri-se a chuva, calcando a forma humana…


Movem-se vultos na galeria escura,
Força congelada sussurro ardente…
Razões sem cura…o predador perdura…


Fé e amor desabam num repente,
A insanidade vem de raiz pura,
O forte ataca a morte inconsequente.






1996

"Algo que não se integra"

Quem não se integra na sociedade
Medíocre por impulsos naturais
Julgando os dias superficiais,
Carrega a cruz da irresponsabilidade.


Controlada por vaga eternidade,
Há natureza pequenos sinais.
Combate a razão instintos fatais.
Combate a ilusão fatalidade.


Quem se renega a drama profundo,
Quem pena na incorrupta obscuridade
Por alguém que desconhece este mundo


Merece do caos a variedade.
Alguns chamam-lhe insecto vagabundo,
Mas o seu sinónimo é a verdade.


1996

"Sociedade"

Quando as podres nascentes de petróleo,
Jorradas de um inferno apetitoso,
Quando o contraste ( sendo vantajoso )
Hipócrita acordar a força de Éolo.


Como um inocente sofrendo assédio
Contagia um doente contagioso,
Tornando o descrente religioso
Dos olhos ruirão lágrimas de óleo.


Quando a natureza se aborrecer,
Onde irão génios buscar saber?
Para que interessa enfeitado aspecto


Feminino, quando esconde um espectro?
Quando me perco na grande cidade
Só nas mulheres sinto a sociedade.


1996

"Quem és tu?"

Vozes sinistras, solidão, terror…
Assim diz tristeza que me recheia.
A liberdade é a minha cadeia,
O fado é a minha história de amor.


Prazeres malignos, prazer na dor.
Amamos a dor, a dor é o meio,
Difere, redentor, que não te odeio,
Diz-me quem sou, qual é a minha cor.


Devora-me a beleza, a perfeição,
A hipocrisia que esconde um corpo nu…
O atractivo prazer da escravidão.


A vaga sedução de um gesto cru,
A selva urbana, a comunicação?
Feio desenho infantil…quem és tu?...



Desenho de Deus


1997
Quando a noite húmida, lamentosa,
Quando o cão latindo o escuro bafeja,
O meu corpo frenético flameja,
Procurando a zona mais venenosa.


A última badalada ressoava
Dos inquietantes sinos da igreja,
Saio para a rua e o trovão braveja,
Tornando a vila mais silenciosa.


O silêncio antevê sofrimentos?...
E as pessoas eram o triste enredo
De uma cena fiel aos elementos.


Naturais que conhecem meu segredo.
Não maldigas amorosos momentos…
São naturais…não há por que ter medo.


1996

"A vampira"

O meu quarto não é arejado.
O dia é como uma mentira.
No escuro estou refugiado.
Aqui sou preciosa safira.


De repente, o sol caiu ajoelhado
Perante uma voz em tom de lira.
Já nada temo a voz…estou decifrado
Num dialecto de inconsciente vampira.


O variante esplendor de seus lábios frios
É o invariável sangue duro
Que urge por novos desafios.


O meu sangue foi jovem, porém puro,
Concentrado em seus olhos por pequenos rios,
Temerários à tormenta em que me censuro.

1995

"A vampira"

O meu quarto não é arejado.
O dia é como uma mentira.
No escuro estou refugiado.
Aqui sou preciosa safira.


De repente, o sol caiu ajoelhado
Perante uma voz em tom de lira.
Já nada temo a voz…estou decifrado
Num dialecto de inconsciente vampira.


O variante esplendor de seus lábios frios
É o invariável sangue duro
Que urge por novos desafios.


O meu sangue foi jovem, porém puro,
Concentrado em seus olhos por pequenos rios,
Temerários à tormenta em que me censuro.

1995

"Fantasma"

Tu chegas como um fantasma, olhando o momento
Fraco, forças que te dei minha adoração…
Cuidado para não caíres no chão
É comandado aos céus o último invento.


Eu chego como a sombra do meu pensamento…
O coração que se enrola e desata ( turbilhão de vento )
Som distorcido como a minha paixão.
De tanto amar a natureza, sofro a desilusão
De te ver entre silvas, ou no néctar ternurento.
Se fosses pura como o teu semblante é perfeito,
Combateria loucura, e violenta opressão,
Com as fortes batidas do meu peito.


1997
Estou tão limitado.
Só consigo morrer.
Sinto o corpo quebrado,
Mas tenho de te ver.


Rapariga bonita,
Por ti serei um homem melhor,
Suportando tudo, sem paragem no pior
Que o mundo civilizado não limita.


Mas ela não acredita,
Paralisada por aspectos indiferentes,
E o tempo não facilita
Com sentimentos dormentes.


Odeio ver um sofredor,
Porque preciso de o ser.
Na época de morrer sem dor
Só me preocupa não a desconhecer.


1995

"Um homem melhor"

Mais um dia incolor,
Algumas pessoas parecem comentar,
Mas não se conseguem tocar,
Mutiladas sem sentir dor.


Dilatando o homem ninguém,
O eremita de tudo,
Não equilibrando porém
Um sentimento agudo.


Oh, ele seguiu-me,
Largou-me num conselho.
Oh, ela viu-me
Pelas traseiras do espelho.


Alcançou o velho do espelho
No meu reflexo mais escuro,
Alcançou-me num sentido mais puro,
Já sinto o sangue vermelho.


Estive tão afastado,
Não sei conviver,
Sinto o medo a meu lado,
Não consigo esconder.

"Saudade"

Enquanto o vate infeliz encerra
Seu estro na profunda obscuridade,
Condensando o ódio e a saudade
Num sentir que acorda a sombria serra,


A deusa reina nesta e noutra terra.
Faz da noite enfadonha sociedade.
Agoira como vampira e claridade…
Na extravagância meu ser enterra.


No ardor da musa, nas cores da morte
A cor hispânica desejo impunha,
Os olhos ternos viam-me sem norte.


Teus seios o mar revolto supunha.
Hoje, sem nada ter que me conforte,
Tenho o silêncio como testemunha.




1996

"Carta de amor"

Eu perco todos os dias,
Eu perco-te todos os dias,
Eu perco-te como perco os dias.




Deus te guarde de quem te queira guardar…


7-10-1998

"Musa por quatro"

Rapunzel os teus cabelos de mel?
Julieta, a tua voz conselheira?
Dizes-me que és humana e verdadeira.
Na verdade és…a cópia fiel


De Isabel da Baviera, cruel
Por ser bela, e mais bela sendo tesoureira.
Desejar-te é imagem passageira?
Não…quero ter de Saturno um anel


Que prenda Vénus, quimera tamanha,
Que te roube, sem te veres roubada,
Que te arrebate, se ninguém te apanha.


Vendo que nada te fere ou agrada,
Vou sair como Dom Quixote em campanha,
Sentindo que és Dulcineia encantada.

?-6-1998

"Bastardos"

Francisco Pizarro, o grande bastardo,
Sentiu de Espanha distante a ambição.
Promete quimeras, uma nação
Segue, aventureiro, ambiente pardo.



Conhece do Peru o nome do fardo,
Do império Inca a fatal revolução,
Na altitude a difícil respiração.
É fraco mensageiro, é falso bardo.


No trono Inca vê bastardo divino,
O humano que se transforma em serpente,
O amigo da morte, o único destino.


Nos espanhóis o medo é eminente.
Pizarro traça o plano clandestino
E o mundo pára…teme dois bastardos.


1996

"Atlântida"

Desconhece a longa história, ilha esplêndida
De construções e vales conjugada,
Abrangendo gente civilizada,
Terra de esperança, de nome Atlântida.


Mas a ambição é forte e a carne é lânguida.
Não pode o corpo aceitar mente alada.
Levanta-se voz terrífica e ousada
E escurecendo a natureza cândida,


Fala por trovões sem qualquer preparo.
Em cada suspiro ergue a ventania,
Acorda vulcões, ao caos dá restauro.


Maremotos afogam a ousadia,
Converte-se em pasto o vil Minotauro.
A hipocrisia envelhece a fantasia.


1996
Rompendo o realismo a grande barreira,
Sons infernais máquina barulhenta,
Volvem à natureza peste nojenta,
O mundo, a tradição, abrem fronteira.


No futuro, gigantesca lixeira,
Onde a vida desliza pestilenta.
A insubmissa tempestade violenta,
Cede impotente, ao varrer tanta asneira…


Tremores divinos vão ruir construções
Perfeitas, contrárias da ilusão!
Sofrerão de cerebrais erupções,


Os sábios sem engenho e sem chão,
E as falsas iludidas populações
Morrerão como formigas que são.


1996

"Corcunda"

Hoje um idoso corcunda profana
Os balcões dos bares onde rasteja.
Sem futuro de fantasmas rodeia
A mentira que soa bela, e emana



O sonho da mulher soberana.
Mas hoje ganhou da ilusão a ideia
Da sua cara velha ser tão feia
Como a raça que se proclamou humana.


O povo, que olha com provocação
Este pobre que caminha sozinho,
Olhando rigoroso para o chão,


Vive quimeras: o fugaz carrinho
Talvez seja um manobrável caixão
Que lhe ordena que saia do caminho…



( salvando o inferior da morte superior? )

1996

"Os sociáveis"

Professores e alunas,
Vampiros e vampiras reais,
Tais na juventude abastadas,
São pela velhice sugadas.
Pedofilia dentro de leis desiguais,
Mas sempre pela riqueza renovadas
Pelo cheiro de moedas sodomizadas.
Notas vaginalmente perfumadas.
Enfim, consumam-se as tretas dos ricos
Que são as verdades dos pobres.



Engenheiros, os pilares da sociedade,
Fazem tilintar novos lares.
Com esta patente mandam mulheres
Jovens aparentemente ingénuas, situarem-se
Em engenhosos bares.
E se duas patentes se mostram, seduzidas,
( estranha sedução ),
Ficam dois milhares,
Mas como não cabem todas no citroen s.xo?
Ou noutra arquitectura parecida…
Enfim…na verdade
Sempre se arquitectou assim a sociedade.


1998
Sr. Engenheiro julga-se o maior?
Casado com uma jovem mulher,
Desempenhando o seu papel com o ardor
Dos dias em que não a pode ver?


Que será dela sem o teu calor?
Velho disfarçado, luz para vender,
Sendo o teu destino comum a dor…
Sempre podes na cabeça crescer.


23-5-1997

"Sátira"

És baixo, és feio, chinês imperfeito,
Humilhas a noite, impões-me o dia.
Vendo teu amor não sei se chore ou ria,
Por forte impacto do fraco conceito.


Iludes regras e sem preconceito
Suspiras amor como aleivosia,
Rato vulgar, vulgar melancolia
De idoso que quer renovar seu peito.


Ergue o véu do prazer pouco durável,
E por actos tétricos de vileza,
Carrega o peso a juventude instável.


Que este bocejo triste de certeza
Saiu de uma alma morta e condenável
Por se arrastar em tamanha baixeza.



1996

"Progresso humano"

Uma beleza de ninfomaníaca
Casou com um temido virgem trombudo,
E todos os dias se identifica
A pobrezinha com um corno maduro.


Torna o marido um doente depressivo.
Um homem de sinceras emoções
Dá vida às mais sádicas ilusões,
E satisfaz o desejo excessivo.


Nasce um querido filho diplomata
Numa personalidade sem graça.
E para aumentar a sórdida desgraça
Provêm do rigor da gente aristocrata.


1996

"Visão cega"

Mulher bonita de ressuscitar,
Cantas palavras falsas de emoção.
Outras vezes arrancas-me o coração.
Sincera sedução de um meigo olhar.


1996

"Aos bares predominantes na Pampilhosa em 1996"

Cabelo à sardão, face mal amada,
Picando em vão na mota melancólica,
Segue à pampilhosense filarmónica,
O calão onde quer dose e pancada.



E vós fidalguia, gente fechada,
Gente gélida, mas em nada apática,
Situada num puro expresso, crónica
De verbal agressão, mecanizada,


Deixem o vil Ruizito, que inocente,
Distante das vossas hipocrisias,
Não tendo alegria, tem o rosto doente.


Cito só alguns…uma minoria
Descrente, que isto tudo é certamente
O que a Pampilhosa atura noite e dia.


1996
A frenética inconstância é o mistério
Que a minha personalidade aclama.
A fama é algo que um dia todos chama.
Entretanto passo no cemitério.


Sigo incerto um duvidoso critério,
Insano sentimento, que me inflama,
Breves palavras, olhar que é o meu drama,
Fervendo de ilusões, gelo no império.


Tudo aquilo, mísera mente encerra,
Gente mesquinha, gente duvidosa,
Típicos habitantes desta terra.


Virem os arpões, a língua raivosa,
Porque, não querendo ser desta guerra,
Eu sou da terra, sou da Pampilhosa.


1996
Cientista de um véu
Descobre-o no céu
Devoto ateu.



Vénus sai do casulo ao poente.
O dia está a vir novamente.
Vamos apressar a noite eternamente,
Sonhar até podermos ver
O nosso acto inconsequente.


1998

"Beatos na capela"

Quando se vive uma novela,
Quando a história é tão bela,
Apetece ver à luz de vela.
E a televisão?...É como uma capela.

1998

"Modelo de mulher"

Modelo de mulher, não és o meu.
Face branca pelo pejo alterada
Meigo gesto de flor perfumada,
Corpo divino que a alma não perdeu.


Meu coração, tua figura engrandeceu,
Porque a mente, fervendo de cansada,
Só conhece uma face inalterada
Que modifica as horas de Morfeu.


Entretanto questiono o ímpio desejo,
Mastigo a língua, curando mazelas
Que se abriam para um fechado beijo.


Não devo duvidar das moças belas.
Porque sonhei obter o feminil pejo,
Se eu temo, se eu choro…coro por elas?


1996

"Tens estado tão fria neste ano tão quente"

Tens estado fria neste ano quente.
Amores fúteis e fúteis clamores
És tu, solidões e hórridas cores,
Aquilo que servirá à minha mente.


Coberta de sarcasmo novamente,
Sempre à noite agradarás aos odores.
Buscas o sol, o perfume das flores,
Mas não julgues que sou tão impotente.


Bastante bem eu sei que fui grosseiro
No cimo do balcão despedaçado
Bebendo por veneno traiçoeiro.


O ciúme, a triste razão do coitado
Fez cair algo rico, verdadeiro.
Das doiradas cinzas renasce o fado.

1996
Se gostas, cruel, de ouvir minha voz
Engasgada por profunda emoção,
Eu gosto de sentir teu coração
Bem trémulo, quando estamos a sós.


1996

"A tua voz"

Temo a doçura da tua voz que afina
As dores amargas da minha mente.
Porém o teu olhar desafina o doente
Que te sente enorme quando és menina.


A doce voz que a venerar ensina,
Quando dirigida, tragicamente
Inventa um baço, mas risonho ambiente,
Apressa uma decisão repentina.


Eis raciocino, eis ganho coragem,
Mas esta engraçada, por parecer
Dois rostos distintos, turva miragem.


Por inglória, tentava-me a esquecer
A pura, a mais sincera linguagem,
Não me deixando morrer nem viver.


1996

"Nevoeiro"

Toda esta noite ventou e choveu!...
Dura insónia, foste recompensada
Por esta densa tempestade irada,
Por mais chuva a que o meu rosto cedeu…


O progresso a natureza rompeu.
Rompendo no reino de minha amada,
Que em sonhos repousando descansada
Não lembra de quem por ela morreu.


Sozinho, suspiro na noite escura,
Sem consorte, e sem antídoto forte,
Buscando só dignidade mais pura.


Que este mórbido temporal conforte
A mente, que no nevoeiro perdura…
Procurando na natureza a morte.


1996
Depois de inúmeros males crescentes,
Vitimado sem qualquer compaixão,
Deusa instável prendes-me o coração,
Congelando sentimentos dormentes.


Sentimentos dormentes são nascentes
De água gelada que fazem o falcão
Descer dos céus aquecendo a ilusão,
Acorrentado razões aparentes.


Vejo o sol a nascer, vejo o sol a pôr-se,
Corro do resto que desconhecendo,
Não sinto a realidade a recompor-se.


Viajo em sonhos que me vão conhecendo.
( Vai…conhece o enigma…segredo doce ).
Luz tremente que me vai adormecendo.



1996

"Sinais"

Sinto avisos do sono inconclusivo,
Vejo a vida transformar-se no inferno
Que eu não sinto, se estou no mundo externo.
Não vejo mudanças, nada de expressivo.


Sigo o sonho que me quer progressivo
Num despique com o teu rosto eterno.
Correm estações, e escolho o Inverno
Que me inflama no rastro inofensivo.


Porém, borboletas rodeiam-me a casa
Como se a rainha ardesse aqui perto,
« Fria Escuridão » , que cativa e arrasa.


Fado de olhos baços, tens-me coberto
Das gentes que me lançam olhos em brasa,
Mas se não dormir nunca mais desperto.


1996

"Contraste"

A natureza, amiga de quem fosse
Soube da tempestade que me abrangia,
Lança um raio assoprando a ventania,
Rivalizando o fogo do amor.


Servo do ciúme devorador,
Criminoso que se penitencia.
O falsete nocturno, a chuva fria,
Todos dizem teu nome sem temor.


Cólera venenosa a timidez.
Se te massacro com tanta loucura,
Porque te temo na proximidade?


Tapas o pejo com expressão dura,
Despes a roupa e não mostras quem és.
És fragilidade que me perfura.


1996

"Trevas do amor"

Quando o dia começa a padecer,
Quando a noite começa a aparecer,
Um ser incolor, omnipresente
Rabisca a neblina em zonas fatais.


Quando a noite não pára de crescer,
Quando o sentimento não quer morrer,
Algures, invejoso e descontente
Divulgando os segredos dos casais,


O ser despedido que não despedes
Vê um vulto a gritar, abafa o odor
Como um grito contra quatro paredes.


Nas entranhas das trevas o calor
Humano que engana as duras verdades
Dispersa alimento, chamado amor.


1996
Loucura é a procura da verdade
Que me reduzirá baixa estatura,
Acelerando imóvel sepultura,
Como um embrião sem ansiedade.


Dei à imensidão minha liberdade
Acorrentada numa expressão pura.
Salva-me da falsa palavra dura,
Amor, que vejo em volúvel deidade.


Canta a megera angelical canção,
Cujo doce tom ouvindo estremeço,
Posso em teu corpo esconder a ilusão?


Cândidas musas, por vós escureço,
Não pode a voz calar o coração.
Adeus…vou partir, já não vos mereço.

1996

"Eles"

Eles não comem, não bebem, não dormem,
Cortejam os mais lúgubres recantos,
Promovem funerais mórbidos cantos,
Precisam do caos, vivem na desordem.


Eles não repartem, não se comovem
Com os fatídicos românticos prantos,
Não se iludem com feminis encantos,
Com o hábito mais estranho de um homem.


São seres que da vida se aborrecem.
Como esquecida luz amortecida,
Ministram as pessoas que adormecem.


No sono profundo aclamam partida
Àqueles que os reclamam que os conhecem,
São ratos letais, perseguindo a vida.


1996
Eu só tenho estado a pensar em sexo
Sem ouvir do coração o conselho,
Tenho o olhar petrificado no espelho.
Na alma prisioneira o teu reflexo.


Tenho estado a sonhar com o teu regresso,
Falando com um alentejano velho.
Tenho estado a ler sublime Evangelho,
Maior que tu e não me deixa perplexo.


Encolerizam-me os teus olhos belos,
Porém tão belos que nunca ousei vê-los.
Respeito esse nariz arrebitado


Que deixa qualquer jovem corcovado.
Trago escondida forte vibração
Adivinhada em qualquer região.


1996

"Noite de Verão"

Noite de Verão, quente de arrogância,
Que o triste pranto não quer abafar
Com forte chuva, que há-de regressar,
Sedenta de afogar minha constância.


Parida no calor da intolerância,
Noite e Verão não podem conjugar
Uma ventania para me embalar,
Trovão cuspido na insignificância.


Tamanho calor pode derreter
O sedento que procura um caminho,
Um buraquinho para se esconder.


Nos meus limites nunca me adivinho,
Sou porcelana a desaparecer,
Peço perdão…Por me sentir sozinho?

1996
Fama, glória, dinheiro e cortesãs,
Acudam tais repentinos clamores,
Antes que assopre a fúria dos amores
Fazendo de tudo isto coisas vãs.


Antes que observe em soberbas manhãs
Moças belas de diferentes cores
Que pintam sempre as mesmas agras dores,
Tão unidas que parecem irmãs.


Deixem-me só, com a minha aflição,
Apaguem o fogo sinceros olhos,
Que eu irei pedir o que só vocês dão.


Deixem-me sozinho em sítios medonhos,
Quero a vossa macabra sedução
Que se alimenta dos meus ternos sonhos.



1996

"Invariável tristeza"

Tristeza triste que indiferente assistes
Com provocações que ignoram o olhar,
Desejo a morte vendo-te no mar,
Na natureza que nunca sentiste.


As variações a que me dirigiste
A mente não pôde o corpo alcançar,
Tremente…caminha para o lugar
Que não pode achar, porque não existes.


És fonte da aflição que adivinho
Desde a minha forçosa nascença
Que o supremo acabou por castigar.


Minha vontade, mas mesmo sozinho,
Mesmo cego sentindo tua presença,
Vejo que nada é belo ao tocar-te.



1996

"Só porque vos vi"

Só porque te vi hoje de repente,
Deusa visível quis que a minha fala
Já pescasse o que o teu olhar não cala,
Mítica sereia que parte ao poente.


E como o sigo coração ardente
Na natureza que de frio estala,
Nesta noite escura que o peito embala,
Não venero a luz se amo a nascente.


Castigo a mente adormeço a paixão,
Preciso de sol abraço o luar,
Na incerteza paira o meu coração.


Sou o instável que o amor foi escravizar,
Vítima da seta da solidão
Que aponta em direcção do teu olhar.



1996

"Amor platónico"

Platónico amor, deixa-te de intrigas,
Já que não pertences mais a este século,
Já que os teus inimigos não castigas,
Baixa o podre, perigoso tentáculo


Que se alimenta das minhas fadigas,
Das fadigas do invulgar espectáculo.
Público não tens, o actor não abrigas.
Ao teu devoto dás mísero oráculo.


Vai-te, infeliz, some-te de vez,
Esconde-te no soberano espaço.
Lá mora a vítima da estupidez.


À deusa que desconhece este laço,
Explica-lhe quem sou, diz-lhe quem és,
Platónico amor deixa-te de intrigas.


1996

"Esperando a névoa passar"

Suave, ela chega,
Delicada presença que aconchega
O frenesim da triste natureza.


É tanta graça, tamanha beleza,
A que neste ser mora
Que até a sórdida acção se demora.


É baixinha,
Sendo vulgar,
Esta graça minha
Que me pode matar.


Tudo se precipita
Quando a vejo,
Eu desejo ver…sem pejo.


Mas ela evita,
Por isso evito
As trevas de que necessito.


O tempo passa
E bem depressa,
Mas tudo fica igual
Não consigo…ser imortal.


1994

"Acorda"

Acorda, vê…a luz do sol nas flores
Do teu jardim, ávidas de pureza
E por ti chamando, por mais beleza,
Por arte pintando, cantando cores.


Sai da pose, deusa de dissabores,
Mundana das veias e da limpeza.
Vem cá para fora, depõe a incerteza
E beija a alma, beijando as minhas dores.


Sai do palácio, perfumada em dor
Arrasa multidões, invade a praça,
Lira infernal em tons belos de amor.


Agora evapora-te, ó luz, ó graça
O carão moreno, lábia de horror,
Por ti chama, minha bela desgraça.



1996

"?"

Uma adaga de luz cai no teu leito,
Um sonho luminoso descontrola o teu peito,
A intensa procura de um sentimento perfeito,
Faz-te esquecer que ainda não fizeste
O que já deste como feito.

Olha para o espelho…
Para te sentires vivo?
Podes ver…o teu sangue é vermelho.
Despe-te de ti,
Pinta as máscaras, sorri.


1999

"PÂNICO E SABEDORIA"

Vinha de uma consulta de psiquiatria em Coimbra apanhar o comboio que finalmente o deixaria no seu refúgio. «Com certeza as carruagens do comboio estarão prestes a parir de tanta gente atolada. Encontrarei raparigas bonitas, mas nenhuma mais bela que ela». Chegou à estação com o comboio prestes a partir e entrou nervoso. Viu que estava rodeado de lindas mulheres que sem pudor o olhavam e homens de mau humor que assim o miravam. O comboio partiu aos solavancos (porque ainda não era dos restaurados) e ele agarrou-se com a mão a um ferro para não cair. Os risos de sedução das mulheres em breve iriam rir-se dele vendo que ele era um fraco. E os homens que pareciam lobisomens iriam salivar vendo tal espectáculo. A mão no ferro já estava a tremer, os olhares eram mais intensos e ele só pensava em sair na primeira estação. Pessoas saíram, mas de outra carruagem para onde ele já não se podia mover. Sentia uma ansiedade tão grande que o coração lhe batia furiosamente e já tremia mais com a mão frenética no ferro. Com olhos esgazeados pensava ver nos outros olhos o roubo da essência do seu ser. De repente o pânico tomou-lhe a mente e o coração e caiu no piso do comboio tremendo com frenesins…As pessoas estavam admiradas, mas calmas por sentirem que tal coisa nunca lhes aconteceria. Passou para ele assim um tempo que parecia infinito, que nunca mais chegaria ao seu destino que agora lhe parecia o fim. Até que de repente se viu sentado num banco e uma senhora mais velha lhe pedindo para pôr a cabeça para baixo com as mãos nela. A senhora idosa cedera-lhe o lugar, amparou-o e tentou acalmá-lo até que finalmente ele chegou ao seu destino. E sem olhar para ninguém levantou-se e pisou solo ainda não estático. Pelo caminho de repente se acalmou e pensou…
Se tão velho sou de porcaria,
Desta senhora a alegria
Não deve ser a causa de tanta sabedoria…


16-1-2008

"ESQUIZOFRENIA"

Caminhou pelo corredor vermelho
Contendo vários quadros aparentemente abstractos
Onde via claros sentimentos dos seus vários retratos.
No fundo do corredor havia um espelho
Adornado com o rosto de um homem velho,
Um espelho mediano que lhe extremava a mente,
Que o chamava e depois expulsava,
Que o fazia correr olhando os quadros do corredor.
Tentando soltar-se de um ser que o tocava,
Um ser maligno que o soltava no meio da dor.
E no fundo, no fim do corredor, havia um espelho.


1999

"FLAUTISTA DE LORENIN"

Embriagado numa festa sem fim,
Por vezes a minha voz soou maviosa.
Expressei os meus sentimentos, enfim…
E só me compreendeu uma criança chorosa,
Distante de outras que seguiam o Flautista de Hamelin.

Acordei tarde num dia de sol
E as pessoas me olham de lado
Como um pequeno monstro que engole
Cuspidelas e palavrões no mundo desaguado.

Vou-me isolar no meu escuro quarto.
A minha voz foi a flauta de Hamelin,
E de tanta rouquidão dei um parto.
Tristezas saindo dentro de mim…
Estou da humanidade tão farto.
Só tenho a ânsia do fim…
Nunca mais quero sair do meu quarto.
Engana-me outra vez, flauta de Lorenin…


16-3-2007

"CONSULTA PSIQUIÁTRICA"

Consulta-me,
Bela psiquiatra,
Apesar do meu medo.
Consulta-me
A psicose, trevas de prata.
Interessa-te pelo meu mórbido segredo.

Não minto
Quando digo
Que temo o dia.
Só sinto
Que viver é um castigo,
A vida é o Inferno, melancolia.
Sinto-me um rato
Vivendo com um rato mais pequeno
Que me rói o estômago.
Não posso ser pintado, ter um retrato,
Porque não posso viajar terreno.
As pessoas, as máquinas,
As outras pessoas sentem
Tudo tão intensamente como eu?...
Os teus olhos, gestos e modos mentem,
Mas quero morrer para ser teu.


1998

"RETORNADO"

Quando vi a luz tudo me esqueceu, tudo escureceu…
Nasci no Porto…em Portugal.
Do continente Europeu
O país mais ocidental.
No Porto pobre cresci…
Com dois irmãos, duas irmãs
E uma mãe que muito me amou.
De quimeras e aparências me ressenti.
Do cimo da ponte via o sol dourar no rio todas as manhãs,
Tentando esconder a noite cinzenta que sempre me encontrou.
De trabalho, por vezes pesado sobrevivi.
Da escola da vida me fiz doutor.
O meu pai sempre me desprezou.
A minha inocência acabou…
A minha mãe que sempre trabalhou
Trabalhava agora como cozinheira,
Porque o meu pai viajou
Sedento de vida aventureira.
Os tempos eram de ditadura
E eu ambicionava a liberdade.
A minha mãe chorava…olhos de cebola…
Resolvemos todos fazer envergadura
Em verde idade,
E ir ter com o nosso pai a Angola
Onde já sentia nova mocidade.























Embarcámos e chegamos
Ao nosso pai com facilidade,
Porque as boas leis deviam ser sempre respeitadas.
Senti-me absorto de felicidade
Com sonhadas imagens concretizadas.
Os dias grandes, o sol desaparecendo
Devagar na planície horizontal…
O mar morno arrefecendo
A natureza que me parecia irreal.
Empreguei-me rapidamente,
Porque já era um homem
Trabalhando contente
No calor húmido constante.
Peixe, carne, frutas exóticas que tão bem se comem.
No fim do trabalho
Tinha liberdade para enamorar
Mulheres que se equiparavam
A deusas de pouco agasalho,
Sereias ao descoberto no mar.
Diferentes mulheres então comunicavam.
Durante anos por este lema me guiava,
Mas o meu coração, outros afectos desejava.
Um dia, ao pôr de sol vi angelical mulher
Na janela de sua casa espairecendo.
Mas o tempo aos poucos escurecendo
Impediu-a de me ver.


Fiquei acordado a noite inteira,
Ansiando o despertar do dia.
Era ela a pioneira,
Donzela de magia.
Seguidos dias olhava
Para ela que se mostrava um pouco
Na janela onde estava sentida.
Ela olhava para mim e corava.
E eu ficava louco…
Tinha encontrado a mulher da minha vida.
Mas a guerra que mata e que nunca morre
Chamou-me para a guerra colonial
Para defender o império de Portugal.
Isto na minha cabeça discorre…
Apesar de não gostar
Assentei praça, tive de me conformar.
E fui «Louvado pelo Ex Mo Comdt do B.I.A, por proposta do comandante de pelotão de mobilização, porque durante os dezasseis meses que prestou serviço a seu cargo, demonstrando possuir uma noção exacta dos deveres militares. Militar educado e muito disciplinado nunca se poupou a esforço para que o serviço de que estava encarregado se mantivesse sempre em dia, qualidades que muito o recomendam e o tornaram digno de ser apontado como exemplo a seguir pelos seus camaradas, (O-S. 157 de 6 de Julho 72 B.I.A)».



Os horrores da guerra estão na minha mente,
Mas não os quero descrever.
O meu coração descreve rapidamente
Aquela mulher que quero ter.
Um dia deu-se o 25 de Abril,
Promessa do fim da guerra.
Voltei para a sonhada terra,
Deslumbre de um rosto gentil.
Diziam os anciões
Que guerras ainda agora começaram.
Diziam que tempestades e tufões
Nesta terra despertaram.
Passado um ano, efectivamente
Tivemos de ir embora
Ameaçados de morte.
Tudo acontece velozmente,
Uma negra carpideira
Deseja-nos boa sorte…
Embarcámos à pressa em barcos e aviões
Atolados como gado.
Marcados com invisíveis farpões,
O português fado…


Para trás ficaram bens materiais, mas não sentimentos.
Vagando pela lembrança,
Tinha a remota esperança
De não encontrar mais tormentos.

Chego sem nada que sensibilize Portugal
E entusiastas revolucionários
Que viveram da ditadura o mal
Querem me cobrar pensamentos solitários…

E até os mais simplórios
Que não sabem bem o que mudou,
Nem imaginam o que comigo se passou,
Cospem palavra consentida…
Escuto já não espantado:
Retornado…
Mas tudo aceitarei,
Porque um dia voltarei…

11-11-2006
Um homem no coração de África entrega o seu…
Rapidamente pela cabeça lhe passam como um sonho
Os momentos mais marcantes da sua vida.
O primeiro pensamento que lhe irrompeu:
No mundo medonho morro risonho.
Tive uma vida intensamente vivida.
No meu coração quem manda?
Ah! Antigo espírito aventureiro,
Ajudei em tempos idos a fazer de Luanda
Mais aprazível cidade do que o Rio de Janeiro.
Ainda conheço antigos trilhos,
Olhos pretos que me matam de prazeres.
Fui amante, tive variadas mulheres,
Gerei filhas, recusei filhos.
Arrependo-me,
Por quem?
Porém,
Lembro-me…

"VETERANO"

Estou esquecido e mudo
Esperando como dormência
A maior erupção vulcânica?
Consigo lembrar-me de tudo:
Pessoas que matei com violência…
Camaradas de guerra violando uma mulher romântica…
Agora nem a mim me ajudo.
Perdi a minha inocência
Para uma mulher satânica.
Sou agora da ciência um estudo…
Da minha tenda caiu o toldo.
Sobrevivo de humilhante soldo.
Hipócritas mandam no mundo,
Dando migalhas como quem as baba.
Destruindo mais um milenar rito profundo.
Isto nunca acaba…

17-2-2007

"PSICOSE ESTIMULADA"

Bebo uma garrafa de whisky
Acompanhada de nicotina,
Vou-me excitar com cafeína.
Pessoas desaparecem.
Fantasmas aparecem…
Psicose estimulada,
Tantas sombras me tocam,
Tanta gente anulada,
Os seus olhares em mim focam.

Entre atitudes que me provocam
Vejo um anjo de mulher,
Beijando e acalmando atrito
Com voz doce para mim fadada…
Dizendo que nada há a temer,
Acalma-me tão esquisito.
Iluminando o Inferno, adormece-me, fada!


17-2-2007

"ESQUIZOFRENIA NÃO EXORCIZADA"

Querida, eu não estava a brincar
Com um sentimento interno,
Quando disse que estávamos a gozar
No meio das chamas do Inferno.

Esquizofrenia não exorcizada,
Não tens direitos sobre a mente
E de me deixares o corpo dormente,
A uma fantasmagórica agressão impensada.

De sangue a cama ensopada
Na luta de um anjo e um vampiro.
Rasgada asa com uma dentada…
Partidos dentes com um celeste suspiro…

Para que queres a razão limitada,
Esquizofrenia não exorcizada?...

27-1-2007

"AMAR A ESQUIZOFRENIA"

A esquizofrenia é como uma mulher
Que se excita ao ser maltratada.
A esquizofrenia é como um pincel a escorrer
A milionésima tinta que não pode retratá-la.

Mosca que entre os excrementos
Do meu cérebro voa e poisa.
O que são estes pensamentos,
Se já estou a pensar noutra coisa?...

Escuto o bater acelerado do meu coração
Querendo apressar o fim do dia.
Gosto do escuro, mas os meus sonhos não são escuridão,
Sinto-me tentado a amar a esquizofrenia.

As pessoas que me conhecem
Têm-me receio, quase fobia.
Mulheres que me enlouquecem,
Não conseguem amar a esquizofrenia?...


9-10-2006

"GORDO PORCO"

Encontrei uma vagina disforme
Na minha adega com um ladrão rafeiro.
Dupla personalidade leva o dinheiro
Gordo Porco, antes que eu me transforme.

O Gordo Porco é um mau feitio.
O Gordo Porco desconhece a fadiga.
Entrou no hiper mercado embriagado.
Vomitou em cima do balcão…
Uma funcionária comenta que ele é um cão.
Ei…eu não sou cão, sou o Gordo Porco, rapariga!
O Gordo Porco é um homem à antiga,
Passeia nas ceroulas o garanhão lusitano.
Não existe moça que não entoe a sua cantiga.
Viu uma beldade, e sem moderação
Grita de longe à bela, à perfeição:
-Eu chamo-me Gordo Porco, rapariga!
A sua bestial barriga
Balança como um garrafão tumultuado.
Corre para os braços dela sem consentimento…
-O que és tu? (pergunta a rapariga)
-Sou o Gordo Porco, o teu amado.
Persegue-a então pelo povoado estabelecimento
Escorrendo-lhe na barba fios de baba.
Este Gordo Porco é um mauzão,
É um grande filho da pu…-Cala a boca, meu.
Ei, eu só estava a falar do Gordo Porco.


Gordo Porco, miúdas.

1997
Confusões internas
Procuram imortalidade.
Dupla personalidade
Desde o homem das cavernas…

29-1-2006

"ÚLTIMO DIA DE ESQUIZOFRENIA"

O doente esquizofrénico
Há dias não tomava medicação.
Olhos raros de lince ibérico
Desvendavam-lhe o coração…

Sonhava com ela há mais de dez anos.
Amava-a com todas as suas anormalidades
Que passavam de três.
E para acabar com estas cumplicidades
Tomou de uma só vez
Medicamentos que o fariam ter paz durante um mês.

O sono chega com a alvorada
Relaxante com que ele sempre sonhara.
Nos sonhos que sempre acompanhara
Eleva-se uma valquíria com uma espada…

No espelho uma cara torta
Entre sombras agonizava.
As fortes batidas na porta
O coração acompanhava…

Expirando, o seu subconsciente
Mostrou-lhe a razão
Da vampira de beleza incandescente
Dar-lhe a extrema-unção.



12-1-2006

"Por um sentido"

Por um poema na estação
De comboios madrugava sentido.
Por um dilema do coração
Procurava um bilhete perdido.


Às vezes,
Na minha solidão, deidades sonhava amar.
Como um cobarde começava a sorrir.
Outras vezes,
Embriagado como um comboio militar
Prestes a parir.


Vi numa mulher utopia.
Aprisionado e contente.
Perdi-a como perdi o dia.
Deixei-a ser da melancolia.
Dei-lhe um pontapé com a mente.


Por um sentido
No labirinto caminha…
Como um rato doente e perdido
Sentindo que se adivinha.



19-10-2006