sexta-feira, 27 de março de 2009

"RETORNADO"

Quando vi a luz tudo me esqueceu, tudo escureceu…
Nasci no Porto…em Portugal.
Do continente Europeu
O país mais ocidental.
No Porto pobre cresci…
Com dois irmãos, duas irmãs
E uma mãe que muito me amou.
De quimeras e aparências me ressenti.
Do cimo da ponte via o sol dourar no rio todas as manhãs,
Tentando esconder a noite cinzenta que sempre me encontrou.
De trabalho, por vezes pesado sobrevivi.
Da escola da vida me fiz doutor.
O meu pai sempre me desprezou.
A minha inocência acabou…
A minha mãe que sempre trabalhou
Trabalhava agora como cozinheira,
Porque o meu pai viajou
Sedento de vida aventureira.
Os tempos eram de ditadura
E eu ambicionava a liberdade.
A minha mãe chorava…olhos de cebola…
Resolvemos todos fazer envergadura
Em verde idade,
E ir ter com o nosso pai a Angola
Onde já sentia nova mocidade.























Embarcámos e chegamos
Ao nosso pai com facilidade,
Porque as boas leis deviam ser sempre respeitadas.
Senti-me absorto de felicidade
Com sonhadas imagens concretizadas.
Os dias grandes, o sol desaparecendo
Devagar na planície horizontal…
O mar morno arrefecendo
A natureza que me parecia irreal.
Empreguei-me rapidamente,
Porque já era um homem
Trabalhando contente
No calor húmido constante.
Peixe, carne, frutas exóticas que tão bem se comem.
No fim do trabalho
Tinha liberdade para enamorar
Mulheres que se equiparavam
A deusas de pouco agasalho,
Sereias ao descoberto no mar.
Diferentes mulheres então comunicavam.
Durante anos por este lema me guiava,
Mas o meu coração, outros afectos desejava.
Um dia, ao pôr de sol vi angelical mulher
Na janela de sua casa espairecendo.
Mas o tempo aos poucos escurecendo
Impediu-a de me ver.


Fiquei acordado a noite inteira,
Ansiando o despertar do dia.
Era ela a pioneira,
Donzela de magia.
Seguidos dias olhava
Para ela que se mostrava um pouco
Na janela onde estava sentida.
Ela olhava para mim e corava.
E eu ficava louco…
Tinha encontrado a mulher da minha vida.
Mas a guerra que mata e que nunca morre
Chamou-me para a guerra colonial
Para defender o império de Portugal.
Isto na minha cabeça discorre…
Apesar de não gostar
Assentei praça, tive de me conformar.
E fui «Louvado pelo Ex Mo Comdt do B.I.A, por proposta do comandante de pelotão de mobilização, porque durante os dezasseis meses que prestou serviço a seu cargo, demonstrando possuir uma noção exacta dos deveres militares. Militar educado e muito disciplinado nunca se poupou a esforço para que o serviço de que estava encarregado se mantivesse sempre em dia, qualidades que muito o recomendam e o tornaram digno de ser apontado como exemplo a seguir pelos seus camaradas, (O-S. 157 de 6 de Julho 72 B.I.A)».



Os horrores da guerra estão na minha mente,
Mas não os quero descrever.
O meu coração descreve rapidamente
Aquela mulher que quero ter.
Um dia deu-se o 25 de Abril,
Promessa do fim da guerra.
Voltei para a sonhada terra,
Deslumbre de um rosto gentil.
Diziam os anciões
Que guerras ainda agora começaram.
Diziam que tempestades e tufões
Nesta terra despertaram.
Passado um ano, efectivamente
Tivemos de ir embora
Ameaçados de morte.
Tudo acontece velozmente,
Uma negra carpideira
Deseja-nos boa sorte…
Embarcámos à pressa em barcos e aviões
Atolados como gado.
Marcados com invisíveis farpões,
O português fado…


Para trás ficaram bens materiais, mas não sentimentos.
Vagando pela lembrança,
Tinha a remota esperança
De não encontrar mais tormentos.

Chego sem nada que sensibilize Portugal
E entusiastas revolucionários
Que viveram da ditadura o mal
Querem me cobrar pensamentos solitários…

E até os mais simplórios
Que não sabem bem o que mudou,
Nem imaginam o que comigo se passou,
Cospem palavra consentida…
Escuto já não espantado:
Retornado…
Mas tudo aceitarei,
Porque um dia voltarei…

11-11-2006

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